Conforme a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, avanços no PNE estão muito aquém dos necessários e pandemia provocou retrocessos
São Paulo – Balanço do cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) nos sete anos de vigência (2014 a 2020) confirma o abandono da educação pelas autoridades brasileiras. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que fez a análise, estima que menos de 15% das metas devem ser cumpridos. E que apenas cinco têm chance de ser cumpridas dentro do prazo – e de maneira parcial –, sendo que nenhuma dessas diz respeito a metas ambiciosas.
O PNE traz diretrizes, metas e estratégias que devem reger as iniciativas na área da educação. todos os estados e municípios devem elaborar planejamentos específicos para fundamentar o alcance dos objetivos previstos — considerando a situação, as demandas e necessidades locais.
De acordo com o balanço, os avanços no PNE estão muito aquém das necessidades. E tendem a brecar com os efeitos da Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, segue vigente apesar da situação. E da Lei Orçamentária Anual de 2021, aprovada com 27% de corte na área, seguida de bloqueio de R$ 2,7 bilhões por parte do governo federal. A educação é a área que mais tem sofrido no governo de Jair Bolsonaro.
Mas sobram retrocessos, entre eles na educação em tempo integral e educação de jovens e adultos retrocederam. “A falta de investimentos e de medidas para garantir condições de infraestrutura, acesso, permanência e qualidade para todas as pessoas que são sujeitos de direito da educação gerou uma exclusão escolar que não está presente nos dados, pois vai além do indicador de matrícula”, diz trecho de carta da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Metas abandonadas
Meta 1 – Todas as crianças de 4 a 5 anos nas creches. E no mínimo 50% das menores de 3 anos e 11 meses até 2024.
Esforços para ampliar acesso às creches não foram renovados. Em 2019, a porcentagem era de 37%, faltando incluir mais 13% das crianças menores de 3 anos e 11 meses. Mas o ritmo de avanço médio anual de 1,7% é insuficiente para atingir a meta.
Meta 2 – Até 2024, todo brasileiro entre 6 a 14 anos deve estar matriculado no Ensino Fundamental.
Cerca de 505 mil crianças nessa faixa etária estão fora dessa etapa. Isso porque 154 mil sequer frequentava a escola, e outras 351 mil estavam atrasadas. O ritmo de avanço, segundo o IBGE, é insuficiente para o cumprimento do objetivo de universalização no prazo.
Meta 3 – Até 2016, brasileiros de 15 a 17 anos deveriam frequentar o Ensino Médio.
Com 486 mil jovens dessa faixa etária fora da escola quatro anos depois do prazo ter se esgotado, há o impacto da crise sanitária causada pela covid-19, que acentuou uma exclusão anterior à pandemia. Cumprir o segundo dispositivo depende do aumento no ritmo de avanço em relação ao do segundo trimestre de 2020. Desde 2014, o ganho foi de cerca de 1,7 pontos percentuais ao ano, diante de uma necessidade de avançar 1,8 p.p.
Educação básica
Meta 4 – Inserção da população de 4 a 17 anos com algum tipo de deficiência, distúrbio global ou superdotação na educação básica regular e atendimento especializado.
Além da falta de informações a respeito, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) vem sendo atacada desde meados de 2018, o que significa retrocessos em conquistas que estão materializadas na PNEEPEI e também na Lei Brasileira de Inclusão e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU.
Meta 5 – Alfabetizar todas as crianças do país até, no máximo, o final do 3º ano do Ensino Fundamental.
Foram feitas mudanças na avaliação para o monitoramento da meta.
Meta 6 – Até 2024, oferecer educação em tempo integral em metade das escolas públicas, para atender, no mínimo, 25% dos alunos do ensino básico.
Em 2014 havia 42.665 escolas e 6,5 milhões de matrículas com jornada em tempo integral. Em 2020 os números caíram para 27.969 escolas e 4,8 milhões de matrículas. Uma perda de cerca de 15 mil escolas e mais de um milhão e meio de matrículas nesse formato. Com manutenção das políticas econômicas de austeridade, como a Emenda Constitucional 95/2016, o Teto de Gastos, e a EC 109/2021, a previsão é de que não haja avanço nesta meta.
Escolaridade média
Meta 8 – Aumento da escolaridade média da população de 18 a 29 anos, atingindo assim 12 anos até 2024, para diminuir desigualdades educacionais.
Tem sido insuficiente o ritmo de avanço no percentual de jovens concluindo o ensino fundamental na idade adequada. No segundo trimestre de 2020, esse percentual era de 82,4%, compondo um avanço médio de 1,5 ponto percentual ao ano desde 2014. Naquele momento, o impacto da pandemia ainda não era visível no indicador. Com a manutenção das políticas de austeridade, a estimativa é que não haja avanço nesta meta.
Meta 9 – Erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir a 13,5% o analfabetismo funcional no país.
A taxa de 93,5% para a alfabetização só foi atingida em 2020. Mas o analfabetismo funcional avançou em vez de regredir. É necessária uma redução de mais de 15 pontos percentuais da taxa atual até 2024, fim do período de vigência do PNE.
Meta 12 – Elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
A expansão de matrículas necessária ao cumprimento dos objetivos tem se dado de forma excessivamente concentrada na rede privada, de acordo com os parâmetros que a lei estabelece. E e esse é outro fator que deve ser corrigido. Até 2019, último ano com dados disponíveis, apenas 11,7% das novas matrículas desde 2013 haviam sido criadas na rede pública, muito abaixo do valor mínimo estabelecido de 40%.
Profissionais da educação
Meta 15 – Criação de uma política nacional de capacitação dos profissionais da educação até 2024.
Em nenhuma das etapas da educação básica o avanço no percentual de docências com formação adequada tem sido rápido o suficiente para que se atinja até 2024 o nível estipulado no plano.
Meta 17 – Equiparação salarial dos professores com outros profissionais de mesma escolaridade que os professore equivalente até o final de 2020.
Prevista para 2020, a meta de equiparar o salário médio dos professores ao dos outros profissionais de mesma escolaridade não foi cumprida no prazo, tendo avançado a cerca de um terço do ritmo necessário ao seu avanço. Sem alteração desse padrão de evolução, a tendência é que ao fim da vigência do atual PNE a situação ainda esteja irregular.
Meta 18 – Até 2016, criar plano de carreira para os profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino.
Por um lado, planos de carreira do magistério e remuneração são garantidos em quase todas as redes. Por outro, fatores essenciais à docência, que são o cumprimento do piso salarial, a reserva de um terço da carga horária de trabalho para atividades extraclasse frequentemente ficam de fora dessas garantias. O problema mais prevalente, no entanto, é a ausência de plano de carreira vigente para os profissionais não docentes da educação.
Gestão democrática
Meta 19 – Assegurar as condições necessárias para gestão democrática da educação, com critérios técnicos de mérito e desempenho e consultas à comunidade escolar.
Em 2019, a maioria dos colegiados intraescolares sequer existia nas escolas públicas brasileiras. De todos os conselhos escolares, associações de pais e mestres e grêmios estudantis que deveriam existir em todas as escolas federais, apenas 48% de fato existiam. Nas escolas estaduais, eram 55%, e nas municipais 33%.
Quando se trata do processo de seleção de diretores, apenas 13% das escolas estaduais aliam critérios técnicos à eleição com participação da comunidade. Nas escolas federais, o número cai para 11%, e nas municipais para 5%. Desde o agravamento da crise política no país, as diretrizes que marcam a participação da comunidade escolar e da sociedade civil na formulação e no monitoramento de políticas públicas têm sido enfraquecidas.
Meta 20 – Ampliar o investimento da União em educação pública, de forma a atingir 7% do PIB até 2019 e o equivalente a 10% do PIB até 2024.
Para 2019, o PNE previa uma destinação de 7% do PIB para a educação, o que dificilmente terá sido atingido, já que os gastos estiveram em torno de 5% de 2015 a 2017, tendo uma queda ao invés de subir. A austeridade fiscal que se aprofundou nesse período não saiu de cena desde então. Para 2024, foi determinado que 10% do PIB seja destinado à educação, uma pauta histórica que encontra ampla ressonância na população.
Isso pôde ser observado na forte pressão exercida não só pela área educacional, mas pelo conjunto dos cidadãos rumo à aprovação de um novo Fundeb com Custo Aluno-Qualidade (CAQ), frente a sucessivas tentativas de desmonte empreendidas pelo governo federal e por partes do Congresso que ao fim restaram minoritárias.
Metas parcialmente cumpridas
Meta 7 – Fomentar a qualidade da educação básica em todas etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem.
Para uma avaliação ampla, é preciso implementar o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), previsto em conjunto com o Ideb no Artigo 11 da Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação. O Sinaeb foi recentemente constitucionalizado pela EC 108/2020, do novo Fundeb, porém ainda aguarda regulamentação.
Meta 11 – Triplicar as matrículas nos cursos técnicos de nível médio, de qualidade, e chegar a 5.224.584 alunos matriculados em 2024.
Desde 2014 a educação profissional técnica de nível médio (EPTNM) tem crescido quase exclusivamente na rede pública. Das 350 mil matrículas a mais que foram criadas, cerca de 330 mil são da rede pública. Somando as novas matrículas nas redes pública e privada, o ritmo de expansão é de aproximadamente 50 mil matrículas ao ano. O número é muito aquém das 296 mil anuais necessárias para cumprir o previsto no Plano Nacional de Educação até 2024.
Ensino superior
Meta 13 – Aumentar para 75% a taxa de mestres e doutores no corpo docente das instituições de ensino superior. E mínimo de 35% de doutores até 2024.
Na rede pública, 84,3% dos docentes possuíam mestrado ou doutorado em 2014, sendo que 55,7% do total eram doutores. São esses altos índices que fazem com que o conjunto do sistema referido no texto da meta supere os objetivos estabelecidos.
Em 2019, último ano com dados disponíveis, a porcentagem de professores do ensino superior privado que possuía doutorado era 25,7%, menos da metade do percentual observado na rede pública. No ritmo em que tem avançado desde o início do PNE, a rede privada cumprirá até 2024 a proporção de mestres e doutores entre seu corpo docente, mas não a proporção de doutores
Meta 14 – Aumento gradual de professores matriculados na pós-graduação stricto sensu, chegando a 60 mil mestres e 25 mil doutores.
Para 2024, a meta 14 do PNE determina que o número de mestres titulados seja igual a 60 mil. Esse nível foi superado nos anos de 2017 a 2019, mas mesmo que nesses anos a quantidade de mestres titulados já tenha superado o objetivo, a meta 14 não estará cumprida em 2024.
Para isso é necessário que a titulação de doutores passe gradualmente dos 17.286 titulados em 2014 para 25.000 em 2024. Em média, isso significa que a cada ano sejam titulados cerca de 771 doutores a mais do que no ano anterior. O aumento anual tem sido aproximadamente o dobro desse valor, e se isso for mantido o objetivo para 2024 também será superado antes do prazo, como na formação de mestres.
Pós-graduação
Meta 16 – Até 2024, metade dos professores da educação básica devem ter pós-graduação direcionada à sua área de conhecimento e 100% dos docentes devem ter formação continuada.
O objetivo de prover formação continuada a todos os profissionais do magistério da educação básica está distante do cumprimento. Em 2020, dos 2.228.969 docentes em atividade na educação básica, 1.338.711 não haviam recebido qualquer tipo de formação continuada. Sem mudanças na trajetória de evolução deste indicador, deve-se chegar a 2024 ainda muito distante da meta.
Fonte: Rede Brasil Atual